sábado, 29 de dezembro de 2018

APÓS IMPASSE, JUSTIÇA DETERMINA QUE CORPO DE MÃE STELLA DE OXÓSSI SEJA ENTERRADO EM SALVADOR

A Justiça determinou, no início da tarde desta sexta-feira (28), que o corpo da Mãe Stella de Oxóssi, que morreu na quinta-feira (27), aos 93 anos, seja enterrado em Salvador, cidade onde funciona o terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, fundado pela ialorixá. 

O corpo de Mãe de Stella começou a ser velado na Câmara de Vereadores de Nazaré, no recôncavo da Bahia, na manhã desta sexta (28). Mas, por volta de 13h30, após a decisão da Justiça, familiares e amigos encerram o velório e encaminharam o corpo da ialorixá para capital baiana.

A decisão da justiça de trazer o corpo para a capital baiana foi divulgada por Maíra Vida, presidente da Comissão Especial de Combate à Intolerância Religiosa da OAB, e decidida pela Juíza de Direito da Comarca de Nazaré, Caroline Rosa de Almeida Velame Vieria.


O sepultamento de Mãe Stella de Oxóssi gerou um impasse entre familiares da ialorixá e a companheira dela, Graziela Dhomini, desde a manhã desta sexta, quando, segundo Ribamar Daniel, presidente da Sociedade Cruz Santa do Afonjá, responsável pela manutenção do terreiro Ilê Axé Opô Afonjáa, a irmã e o sobrinho de Mãe Stella, entraram com uma ação judicial para pedir que o corpo da ialorixá fosse trazido para Salvador. 

Os filhos de Mãe Stella e integrantes do terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, que era comandado por ela, pediam que o corpo da ialorixá fosse trazido para Salvador, cidade onde funciona o terreiro.

O enterro de Mãe Stella chegou a ser anunciado pela companheira dela, Graziela Dhomini, para as 16h desta sexta, em Nazaré, onde ela morava com Mãe Stella.

Segundo Ribamar Daniel, presidente da Sociedade Cruz Santa do Afonjá, responsável pela manutenção do terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, o corpo de Mãe Stella deve passar por rituais do camdomblé, antes de ser sepultada.

"A família quer que o corpo venha [para Salvador] para fazer as obrigações, rituais internos, preceitos que ninguém conhece. Queremos que ela tenha um enterro digno", disse.

Ao G1, Graziela disse que era da vontade de Mãe Stella ser enterrada em Nazaré. Ela ainda afirmou que não recebeu qualquer determinação judicial. "É apenas o corpo. Ela está dentro de mim. Uma pessoa do terreiro se aproximou e perguntou se poderia cantar para ela, e é claro que eu não iria negar, mas sobre o enterro eu estou respeitando um desejo dela", disse.

Após a decisão da justiça sobre a transferência do corpo, O G1 entrou em contato com o advogado de Graziela, que informou que não teve acesso a decisão. O advogado ainda falou que "relações religiosas não podem ultrapassar as relações individuais de cada pessoa. [Mãe Stella] externou essa vontade [de ser enterrada em Nazaré]", e que vai entrar com recurso para embargar a decisão.

Desde 2017, Mãe Stella estava morando na cidade de Nazaré, a cerca de 210km de Salvador. Ela se mudou de Salvador para lá depois de um desentendimento entre filhos de santo do terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, na capital, e a companheira dela, Graziela. 

Estudiosa e divulgadora da crença religiosa africana, Mãe Stella foi a primeira ialorixá no Brasil a escrever livros e artigos sobre o candomblé. Em 2013, foi eleita por unanimidade para a Academia de Letras da Bahia, ocupando a cadeira de número 33 cujo patrono é o poeta Castro Alves.

A líder religiosa, cultural e social do seu povo sempre condenou o sincretismo religioso. Para a mãe de santo Stella de Oxóssi, candomblé é candomblé, e catolicismo é catolicismo. Não concordava com a fusão entre santos e orixás.

Sempre preocupada em garantir a preservação da cultura negra, Mãe Stella participava de conferências e dava palestras. No Ilê Axé Opô Afonjá, montou o primeiro museu aberto em uma casa de candomblé, onde podem ser vistas as roupas e os objetos usados pelas mães de santo da casa e pelos orixás.

O livro “Mãe Stella de Oxóssi – Estrela nossa, a mais singela!”, obra organizada pelo escritor Marcos Santana, conta a história de vida da ialorixá com poesias, depoimentos, resenhas e análises de algumas de suas produções intelectuais. A obra foi lançada em 2014, no terreiro Ilê Axé Opô Afonjá.

O livro é uma coletânea que reúne resgate histórico e cultural, com textos de diversos autores, como: Edivaldo Boaventura, Muniz Sodré, Antonio Olinto, Jorge Amado, Fernando Coelho, Padre Arnaldo Lima, Dorival Caymmi, Jorge Portugal, Menininha dos Gantois, Detinha de Xangô, Marcos Santana e da própria Mãe Stella.

Em 2014, ela também foi homenageada da Flica, festa literária que é realizada todos os anos na cidade de Cachoeira, no Recôncavo Baiano. Na mesma época, criou a biblioteca itinerante adaptando um ônibus para levar a qualquer lugar livros que abordam curiosidades sobre todas as religiões. Pregava um respeito mútuo e uma convivência pacífica entre todas as crenças para que as pessoas se aproximassem pela fé.

Mais do que uma sacerdotisa de um dos mais importantes terreiros de candomblé do país, Mãe Stella de Oxóssi foi uma militante do resgate cultural de um povo.

G1

Nenhum comentário:

Postar um comentário